13 dezembro 2016

Sonho persistente




"O silencio me desperta,
Maravilha está perto,
Pensamento chegou."
(Poeminha Haiku, 9 anos de idade)

“Guarda teu sonho, moça, espera
Um sonho nunca se desfaz na primeira primavera”
(Bernardo Puhler, O correr da vida embrulha tudo)

“Porque se chamavam homens
Também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem”
(Milton Nascimento, Lô Borges, Márcio Borges, Clube da Esquina nº2)

Começa com um desenho mental incerto. Será? Será? Desejo, vontade. Tudo muito nublado. Uma menina ilustrando coisas imaginárias nas horas vagas. Aos poucos aquilo se abre em palavras, é o surgimento de uma ideia. Então vira conversas com o papel, rabiscos, formas, texto... O que é um sonho afinal? Por que ele não vai embora?

Se ao menos eu não tivesse essa vontade vertendo aqui dentro. Ser isso, ser mais, ir além... Anos e anos a fora, olha que só tenho trinta e dois nas costas, mas como arde o peito um sonho não alcançado, um caminho não traçado. Ah! E tem as tais “pedras” no meio do caminho, portas se fechando corredores adentro. “Quando enfim alguma se abrirá?” pergunta o coração pulsante, nada cansado; pelo contrário, pronto, ávido! Avante! Bate outra vez, e vez de novo e de novo.

Sonhar é quase um defeito. Ainda mais depois que inventaram o ENEM e essa coisa de “joga a nota e vê o que pode dar”. Isso é um massacre de sonhos, um achatamento de possibilidades. Cadê a busca interior? Onde foi parar o mergulho no ser? Ainda mais quando o dinheiro entrou na história e o medo de não ter o suficiente parece uma nuvem sobre as nossas cabeças. Ainda mais quando já temos os mapas do globo, o google, e essas besteiras que nos fazem achar que não precisamos mais de Camões para sobreviver. Geração de alma encolhida. Sonhar é ter a alma grande, mas cuidado, melhor checar com os médicos pra ver se está tudo dentro das proporções esperadas nessa etapa do desenvolvimento.

O sonho persiste. Ele é incontrolável, é desumano negá-lo. É desumano deixar a insegurança vencer, é desumano desistir. O sonho renasce, desenvolve. A menina, agora é uma mulher ilustrando temas (coisas) abstratos (imaginários) de madrugada (nas horas vagas). Agregam-se a maturidade, as novas habilidades, a sabedoria adquirida pelos erros cometidos e pelas portas fechadas. O sonho cresce, não diminui. A vida segue a correr, a correr, correnteza valente do rio.


06 dezembro 2016

O peso do mundo



Lembro-me de uma cena na minha adolescência onde, caminhando pela cidade, vi um pedacinho de um clips quebrado na calçada. Peguei aquele filete de arame e, emocionada, guardei no bolso; “um pedacinho de insignificância”, pensei. Nessa época eu achava que o mundo pesava sobre os meus sentidos, e minha reação imatura era de temor e tristeza. Via a minha sensibilidade às coisas, tais restinhos clips e afins, como uma espécie de maldição.

É difícil organizar os pensamentos quando os sentimentos são tão aflorados e se expressam de maneiras abstratas como poemas, melodias ou cores. “Hoje estou meio bordô, ou tulipa ou anil”. Essas frases fazem muito sentindo pra mim, mas não dizem muita coisa para a maioria das pessoas com as quais convivo. As pessoas querem gifs com rostinhos legendados, nós procuramos os tons de cinza justamente porque não são nem branco, nem preto, mas tem a mesma profundidade que o som de uma vogal. Viver é difícil pra todo mundo.

Aquele pedacinho de clips me lembrava de mim mesma, temporalmente, um fragmento ínfimo diante do inicio, meio e fim da historia. O cosmos girando e eu andando pela cidade. Pedacinhos de mim em rabiscos de cantos de cadernos e músicas feitas em casa.

Vivendo, chego à ingênua conclusão de que todo mundo no mundo tem algum tino artístico aflorando em alguma área da vida, claro em diferentes graus. Afinal, o mundo pesa sobre todos. Embora nem todos venham a constatar que num pequeno gramado de vinte metros quadrados há tantos tons de verde que não cabe no kit de lápis aquareláveis, todo mundo em algum momento vai sim se encantar com a beleza, com a virtude, com o mistério. Encantar-se com tais coisas é ser gente.

O peso do mundo vivenciado por mim se traduz muitas vezes em arte; música, desenho, texto, basicamente o que estiver mais perto do meu coração naquele instante. Sinto como se o mundo respirasse, seu sopro passa pelas moléculas do meu corpo, mas elas não suportam conter, por isso logo encontram uma forma de externar. Sinto como se o encanto seja inevitável, assim como o pavor; os dois andam juntos. Sinto-me parte de algo maior, embora me sinta apenas um grão, uma semente debaixo da terra que sabe que há de cortar a superfície e que há muito ainda por experimentar.