29 agosto 2017

Pausa



No final da rua esperam ansioso os meninos por descerem a rampa e encontrarem a turma. Por volta das 9h00 é o tempo áureo do dia onde todos os pequenos do bairro se encontram para nos conduzirem por um mundo que apenas deixa saudades. Espadas feitas de gravetos, carros feitos de pedras e até mesmo câmeras fotográficas feitas de tampinhas de plástico. Nesse mundo não tem rico nem pobre, apenas aventuras. Os mais velhos (dois e três anos) dirigem um carro que logo vira barco, sentados num banco (tora de madeira) no meio da floresta (jardim do vizinho) e desviam de leões (postes), ursos (irmãos mais novos) e monstros (carrinho de bebê). Tudo vira tudo.

Logo que saem o silêncio abriga a casa.

No final da rua o menino de dois anos sobe a rampa chorando. Sono. Por volta das 10h30 o tempo se fecha junto com os olhos dos pequenos.  Lavar as mãos pode ser um enorme desafio para a mãe que tenta administrar a irritação e cansaço de dois. Por que é tão mais prazeroso descer a rampa? Por que subir também se faz necessário e parte de uma rotina que se estende para além de meninos, mundos e sonos? Descer a rampa significa começo, expectativa. Subir a rampa significa pausar.

Logo que dormem o silencio abriga a casa.

Que horas são em minha vida? São 10h30, hora da pausa.  Ser autônoma, artista, e mãe de dois significa pausar. Pausar é diferente de parar. Parar é por volta das 20h quando após o banho dormem até o dia seguinte. Parar seria desistir de produzir música, espaço, poesia; mas, pausar significa poder continuar a fazer tudo isso, só que depois.

Depois.

- Mãe, posso ver desenho?
- Depois.
- Mãe, pode nadar na piscina grande?
- Depois.
- Mãe, um dia posso usar facas?
- Sim, um dia...

Depois.

- Senhor, posso voltar a compor e tocar?
- Depois.
- Deus, posso melhorar a minha arte e fazer o que eu amo?
- Depois.
- Pai, um dia posso escrever algo relevante?
- Sim, Liz, um dia...